top of page

Introdução

Esta pesquisa foi baseada em diversas entrevistas realizadas com imigrantes e seus descendentes, além de alguns livros publicados por compatriotas que passaram pela mesma experiência de vida, documentos resgatados com parentes e também do Arquivo Nacional Brasileiro do Rio de Janeiro, arquivos e registros históricos dos museus da cidade de Mölln na Alemanha, de São Carlos/SC, Maravilha/SC e Pinhalzinho/SC, além de diversas publicações do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina – CEOM, da UNOCHAPECÓ, estando todas referenciadas nos textos deste site e listadas na sessão "Referências" desta página.

Devido às diferenças linguísticas e culturais dos alemães, russos e brasileiros, ao longo deste texto, o leitor irá se deparar com variações na apresentação da grafia do sobrenome Thomae, tais como: Tomme, Thome ou Thomä. Ocorre que a pronúncia correta de nosso sobrenome em alemão é “Tomê”, com sílaba tônica na letra “e”, fato este que teria levado às variações da grafia em alguns descendentes brasileiros. Contudo, em pesquisas e contatos feitos nas regiões da Alemanha e Áustria, encontra-se apenas a grafia “Thomae”, a qual acredita-se ser a correta.

Entretanto, a forma com que se escreve o sobrenome não nos deixa mais perto ou distantes desta incrível história que nossos antepassados viveram. Com certeza existem várias lacunas e mistérios que ainda não puderam ser esclarecidos, o que torna a pesquisa genealógica ainda mais motivante.

Espero que este trabalho agregue conhecimento e inspire-o a promover e divulgar a história deste povo batalhador e pioneiro, de tal forma que novas informações possam ser alcançadas para enriquecer ainda mais este trabalho.

Boa leitura e um forte abraço,

Samuel Thomae

Séculos 18 e 20

Para entender a nossa história, precisamos entender de onde viemos. Para entender de onde viemos, precisamos entender como era o continente Europeu entre meados do Século 18 e início do Século 20, ou seja, de 1750 à 1930. No início deste período, a distribuição geográfica dos países era muito diferente da que conhecemos hoje, muito diferente também era o sistema político, pois esta era a época em que prevaleciam os Reinos, Impérios e Condados. São exemplos deste período o Sacro Império Romano-Germânico (de 962 à 1806), Império Russo (de 1721 à 1917), Império Alemão (de 1871 à 1918) e Império da Prússia (de 1701 à 1918), estes três últimos que perpetuaram até a 1ª Guerra Mundial. As imagens a seguir exemplificam algumas das configurações que o continente Europeu apresentou em períodos distintos.

Figura 1 - Mapa da Europa em 1815 - Fonte: http://pnld.moderna.com.br/

Figura 2 – Mapa da Europa em 1914 – Fonte: http://rppamorim.blogspot.com.br/

Diante desse cenário de transformações territoriais, ocasionados por diversas disputas que resultaram em devastação de terras e grande ocorrência de pobreza no Império Alemão, somados à questões religiosas, uma grande quantidade de colonos Alemães aceitaram o convite da Imperatriz Russa Catarina II, A Grande, para irem à Russia. Sendo assim, em 22 de Julho de 1763 a Imperatriz emitiu um manifesto-convite direcionado principalmente ao povo Alemão, oferecendo terras férteis e condições especiais para promover o desenvolvimento socioeconômico e cultura de seu Império nas planíces do rio Volga.

Embora Catarina tenha sido um Czar monarca do Império Russo, ela nasceu em 2 de maio de 1729 no antigo Reino da Prússia, que nos dias de hoje corresponde à região norte da Alemanha e da Polônia. Veio a assumir o trono Russo devido à morte de seu marido Pedro III, morte esta que supostamente foi conspirada pela própria Catarina. Seu reinado perpetuou de 1762 à 1796, sendo que este manifesto-convite foi uma de suas primeiras medidas tomadas como Imperatriz. Dentre os principais atrativos oferecidos por Catarina aos seus compatriotas, estavam a liberdade religiosa e o direito de construir suas próprias igrejas e escolas; isenção de serviços militares; o direito de morar em colônias isoladas e de poder deixar a Rússia a qualquer hora. Além disso, incluía a garantia de proteção de igualdade de direitos aos nativos e também aos futuros descendentes; isenção de impostos por 10 anos; ajuda de custo para se estabelecerem; e depois de passados 10 anos, ainda teriam mais 10 anos de prazo para devolver a ajuda que receberam do governo. Estes privilégios atraíram cerca de 27.000 colonos que entre os anos de 1764 à 1767 povoaram as margens do Rio Volga, na Rússia. [1], [2], [3], [4]. 

A linha sucessória de Catarina II teve na sequência o seu filho, Paulo I (1796 à 1801) e posteriormente seu neto, Alexandre I (1801 à 1825) [5]. Logo no início do reinado de Alexandre I, o Império Russo incorporou importantes regiões localizadas na costa do Mar Negro, conhecidas como Criméia e Bessarábia, hoje pertencentes à Ucrânia e Romênia, respectivamente. Com isso, um convite semelhante ao feito por Catarina II foi novamente direcionado ao povo Alemão, desta vez para ocupar esta nova região.

Acredita-se que em torno de 300 colônias foram criadas durante os reinados de Catarina II, Paulo I e Alexandre I originando o surgimento dos alemães-russos, ou “russlanddeutsche” em alemão, que serão tratados a partir de agora como teuto-russos, que é o termo correto em português empregado àquele que é descendente de alemães, que por viver ou ter nascido em território Russo, possui nacionalidade Russa. Aparentemente a vida para os teuto-russos era relativamente boa, pois estes conseguiam manter seus costumes, tradições, religião, cultura e língua da terra mãe, e passá-las adiante através das igrejas e escolas que seguiam a mesma linha. Contudo, em 1871, o sucessor de Alexandre I, o Czar Alexandre II, anulou todos os privilégios inicialmente concedidos por Catarina II, pondo fim a pouco mais de um século de prosperidades dos Alemães em terras Russas. Em 1881 Alexandre III assumiu o trono Russo, e com ele veio o processo de russificação, obrigando todas as escolas das colônias a ministrarem as aulas em russo, além de dificultar a aquisição de terras e tirar a administração das colônias das mãos dos imigrantes [3].

Figura 3 - Manifesto de 1763 emitido por Catarina II - Fonte: http://www.dw.com/

O século 20 chegou, e com ele os indícios de que uma grande mudança para os nossos ancestrais estava por vir. O aumento considerável da população na Rússia, o fim dos privilégios oferecidos por Catarina II e as dificuldades impostas pelo governo aos colonos para aquisição de terras, trouxe a tona novamente o monstro chamado falta de terra que havia motivado o povo Alemão a deixar sua terra natal em meados do século 18. Desta forma, em 1905, o governo do Imperador Nicolau II, sucessor de Alexandre III, decidiu colonizar as vastas estepes da Sibéria com suas imensas planícies favoráveis à agricultura e à criação de gado. Inúmeros descendentes de imigrantes alemães de todas as regiões do rio Volga e da  Criméia foram para o sul da Sibéria, a algumas centenas de km da fronteira com a China e Cazaquistão, tendo como centro referencial de comércio a cidade de Slawgorod [2].

Lá iniciaram novamente o processo de colonização, estabelecendo aldeias, não muito distantes umas das outras, divididas de acordo com a religião de cada um (luteranos, menonitas, católicos e pietistas). Nestas aldeias, construíram suas igrejas e escolas, tentando retomar a vida normal. Embora morassem em aldeias separadas, visitavam-se mutuamente, negociavam entre si, respeitavam-se e praticavam, pacificamente, a política da boa vizinhança. Passaram novamente pelo processo de adaptação com a terra, pois esta região da Sibéria possuía invernos longos e rigorosos, com temperaturas de -30ºC a -40ºC, porém logo prosperaram devido às excelentes colheitas de trigo e as abundantes pastagens para os rebanhos de gado e de ovelhas [2]. A imagem abaixo busca retratar o caminho percorrido até aqui pelos imigrantes Alemães, de meados do Século 18 ao início do Século 20.

Figura 4 - Fluxo migratório de Alemães para a Rússia. 1ª migração a partir de 1763 durante império de Catarina II,  em linha laranja. 2ª migração a partir de 1801 durante império de Alexandre I, em linha roxa. 3ª migração a partir de 1905 durante império de Nicolau II, em linha vermelha.

A partir daqui, gostaria de confrontar os dados históricos referenciados nos materiais didáticos com umas das principais evidências que me baseei no desenvolvimento deste trabalho. Refiro-me ao livro “Lembranças da vida de Valentín Eisele” [6], livro este baseado em um diário escrito por Valentín, o qual possui relatos de episódios de sua vida muito fiéis aos dados históricos até aqui apresentados.

Mas o que Valentín tem a ver com a família Thomae? Pois bem, já vou lhe explicar: Valentín Eisele nasceu em 02 de dezembro de 1899, na comunidade de Marienfeld, na Ucrânia. Era filho de Katharina (Oberdörfer) Eisele, irmã de José Oberdörfer, que era pai de Magdalena (Oberdörfer) Thomae, ou seja, Valentín e Magdalena, a esposa de Wilhelm Thomae, eram primos. Para mais informações referentes à árvore genealógica da Família, visite o espaço destinado neste site a estes arquivos clicando aqui.

Em seus relatos, Valentín é extremamente coerente e detalhista quanto aos fatos históricos já apresentados anteriormente. No trecho inicial deste livro, ele relata que tinha apenas seis meses de vida, quando em 1900, seus pais se mudaram da Ucrânia para Samara, na planície do Rio Volga, na Rússia. Ou seja, muito provavelmente seus pais ou avós atenderam ao chamado de Alexandre I para povoamento da Criméia. Em 1913, tentados pelas ofertas de terras feitas por Nicolau II, a Família de Valentín se muda para Barnaúl, pertencente ao município de Slavgorod, na Sibéria. A viagem de aproximadamente 2.600 Km de trem demorou 13 dias, segundo seus relatos. Outros registros importantes encontrados foram alguns documentos de Clemente Oberdörfer, irmão de Magdalena (Oberdörfer) Thomae, que também nasceu na Ucrânia, em Kosthein (estes documentos serão apresentados adiante de acordo com a ordem cronológica dos acontecimentos). Posteriormente, Clemente aparece nos relatos de Valentín Eisele, ao ser mencionado como seu primo, já no episódio da vivência na Sibéria. As evidências apresentadas até aqui comprovam que estas famílias fizeram a rota típica descrita nos registro históricos deste evento, o que nos dá embasamento para seguir adiante neste estudo e voltar aos acontecimentos históricos desta época.

Acredita-se que a família Thomae seguiu rota parecida da família Eisele, pois de acordo com outro livro importante desta pesquisa, “A Saga dos Alemães do Volga” [16], são mencionadas duas famílias Thomä que viviam naquela região. Não há ainda nenhum registro encontrado que ligue Wilhelm e Joseph a estas famílias ou que indique o seu lugar de nascimento ou casamento. A única informação que temos é que Wilhelm nasceu em 30 de maio de 1890,  sua esposa Magdalena,  em 3 de novembro de 1894; Joseph  em 28 de julho de 1893, e sua esposa Emília, em 9 de março de 1902.

A segunda década do século 20 viria para transformar de vez a vida dos teuto-russos. Em 28 de julho de 1914, estourou a Primeira Grande Guerra Mundial, tendo como principais opositores a Tríplice Entende, formada pelo Reino Unido, França e Império Russo, e a Tríplice Aliança, formada pelo Império Alemão, Austro-Húngaro e Itália, que durou até 11 de novembro de 1918 [7]. Mesmo os Impérios Russo e Alemão estarem em lados opostos, devido ao fato de Alexandre II ter anulado os privilégios aos teuto-russos concedidos inicialmente por Catarina II, estes tiveram que atender ao chamado de convocação para a guerra, mesmo que por vezes eram tidos como “potenciais traidores” [1]. Conforme relatos de Valentín Eisele [6], num primeiro momento foram convocados todos os homens casados nascidos entre 1888 e 1894, numa segunda chamada foram convocados os solteiros nascidos entre 1895 e 1897. Wilhelm, nascido 1890 e Joseph em 1893, inevitavelmente foram convocados para a guerra. Conforme relatos obtidos de Rosa Zimmer, Lídia Vogel, Lydia Thome e Terezinha Neli Thomae, as duas primeiras filhas e as duas últimas noras de Wilhelm Thomae, este chegou a levar um tiro no braço, fato esse que foi contado por ele diversas vezes. Ao visitar os descendentes de José Thome em setembro de 2016, que hoje vivem no estado do Mato Grosso, tive o privilégio de conversar com Lydia Thome, viúva de José, que também nasceu na Rússia. Foi com este casal que Wilhelm e Magdalena passaram os últimos anos de suas vidas. Dona Lydia, em invejáveis condições de saúde, conta que Wilhelm teve um dos tímpanos perfurados durante uma explosão de bomba durante combate. Segundo ela, os soldados eram orientados a ficar de boca aberta quando detectavam a proximidade de alguma explosão, para evitar que o tímpano fosse atingido. Contudo, em um destes eventos, Wilhelm não teve tempo de reação, ocasionando na perda de audição em um dos ouvidos. Outra ocorrência provocada pela participação na guerra foi a contração de tifos, que é uma doença bacteriana transmitida por vetores tais como pulgas, piolhos e carrapatos, que infestavam as trincheiras onde os combatentes ficavam escondidos.

Não bastasse isso, ainda durante a Primeira Grande Guerra Mundial, em 1917, irrompeu a Revolução Russa, que pôs fim ao reinado dos Czares, desbancando o então Rei Nicolau II, e levando ao poder o Partido Bolchevique de Vladimir Lênin, dando início à Guerra Civil Russa, confrontando o exército vermelho comunista com movimentos nacionalistas e anti-revolucionários, dentre eles o Exército Branco, composto em boa parte por camponeses que eram contra o novo regime que estava por se estabelecer. E dentre este camponeses convocados para o Exército Branco estava Valentín Eisele, que segundo seus relatos, em outubro 1918 foi convocado para a frente oriental da Sibéria, comandada pelo General Kolchack, fato este extremamente concordante com os registros históricos [9].

Em 1922 teve fim a Guerra Civil Russa com a vitória do exército vermelho, dando origem à União Soviética, que foi o primeiro país socialista do mundo, o qual perpetuou até 1991 [10]. Os comunistas usavam a bandeira da Revolução Francesa pregando liberdade, igualdade e fraternidade, prometendo ao povo o paraíso e o céu na terra, contudo aos poucos a dura realidade começou a ser revelada. Em meio a este cenário de guerras e revoluções, o casal Wilhelm e Magdalena tiveram 4 filhos. A primogênita, Katarina, nasceu no início de 1918, Anna Maria, nascida em 3 de março de 1923, José Thomae, nascido em 26 de agosto de 1926, e Elizabeth, nascida em 1929. Já o casal Joseph e Emília Thomae, também tiveram 4 filhos nascidos na Sibéria, sendo eles: Franziska, em 1920, Elizabeth, em 1923, Antônio, em 1926 e Emilia, em 1928.

Em ambas famílias há relatos de que estes dois casais tiveram filhos que faleceram na Sibéria, devido às precárias condições que as famílias ficaram sujeitas durante o período em que seus maridos estiveram lutando na guerra. Este fato ficaria evidente futuramente, quando o Padre Fleck, que também veio para o oeste de SC, foi para a Europa de férias para visitar familiares e amigos que lá ficaram. Na foto a seguir, pertencente ao arquivo pessoal de Lidia Vogel, percebe-se que as famílias se resumiam a mulheres e crianças, tendo os maridos perdido suas vidas na guerra.

Figura 5 Padre Fleck em visita a familiares de teuto-russos que ficaram na Europa

A fuga da Sibéria

O início da era da União Soviética começou com grande repressão à religião com fechamento e até depredação de igrejas, além do controle da propriedade privada, transformando os camponeses teuto-russos em praticamente escravos do Estado. Diante desta situação, sem liberdade social e religiosa, várias famílias teuto-russas que não estavam dispostas a se sujeitarem às imposições do Estado Comunista, começaram a manifestar sua vontade em iniciar o caminho de volta para a pátria mãe, a Alemanha. Vários deles recorreram à embaixada Alemã, em Moscou, em busca de documentos para poder deixar a União Soviética. De um grupo de aproximadamente 14mil pessoas que haviam tentando essa caminho para fugir do comunismo, pouco mais de 5500 pessoas conseguiram chegar a Moscou e receber a ajuda dos Alemães. Dentre eles estavam os casais: Wilhelm e Magdalena Thomae, com seus filhos: Catharina, Ana Maria, José e Elisabeth; e Joseph e Emilia Thomae, com seus filhos: Franziska, Elizabeth, Antônio e Emilia,  que no outono 1929 deixaram todos seus bens e propriedades na Sibéria partindo rumo à Alemanha, se instalando no abrigo de refugiados de Mölln, à 60Km de Hamburgo, no norte da Alemanha. A figura a seguir ilustra a provável rota que nossos antepassados fizeram em sua fuga da Sibéria para a Alemanha, em sua grande parte percorrida por trem.

Figura 6 - Rota de regresso à Alemanha. (A) Slavgorod, Rússia. (B) Omsk, Rússia. (C) Moscou, Rússia. (D) Riga, Letônia. (E) Malbork, Polônia. (F) Mölln, Alemanha

A cidade de Mölln foi uma das 3 escolhidas pelo governo Alemão para abrigar os teuto-russos refugiados. Sua localização era estratégica devido a proximidade do porto de Hamburgo e Bremen, de onde os refugiados seguiriam futuramente para as Américas. Na cidade de Mölln, foi escolhido um antigo prédio militar para servir como hospedagem para os refugiados. A Cruz Vermelha Alemã estabeleceu um comitê denominado "Brüder in Not" (irmãos em necessidade) para providenciar todos os itens básicos para a permanência destas pessoas que fugiram da União Soviética com o pouco que podiam carregar. As fotos a seguir mostram a vista aérea do local e um grupo de refugiados reunidos em frente ao prédio do abrigo. Ambas as fotos foram fornecidas pelo Sr Christian Lopau [11], coordenador do museu que foi criado neste mesmo prédio onde nossos antepassados permaneceram por quase 1 ano.

Figura 7 - Vista aérea da década de 30 do prédio de abrigo dos teuto-russos em Mölln [11]

Figura 8 - Grupo de refugiados teuto-russos em frente ao prédio onde estavam abrigados [11]

Em visita realizada em setembro de 2016 na vila de Aguinhas, tive a oportunidade de conhecer a senhora Rosa Schlee, que aos seus 93 anos de idade, esbanja saúde, memória e disposição para conversar e relembrar os fatos vividos na Europa e na Sibéria. Rosa e sua família também estiveram abrigados neste local, sendo que na ocasião ela me forneceu a foto abaixo, sinalizando que estes seriam os imigrantes que se destinariam para o estado da Bahia no Brasil, e que a menina de vestido branco e touca, sentada no centro da primeira fila, seria Lydia Thome, nora de Wilhelm Thomae.

Figura 9 - Grupo de imigrantes em frente ao abrigo em Mölln/Alemanha, que partiriam rumo a Bahia. Acervo de Rosa Schlee

O acolhimento e apoio fornecido pelo povo alemão a estes refugiados são inquestionáveis. Neste local foram fornecidos assistência médica, vestimentas, acomodações, alimentação e até aulas para as crianças. Para serem aceitos nos destinos em que se propunham migrar, seja Brasil, Canadá, Estados Unidos, Paraguai ou Argentina, era necessário que os candidatos possuíssem boa saúde e conduta exemplar. Para tanto, as família eram submetidas a exames e avaliações, onde eram emitidos certificados de avaliação médica que os habilitava a seguir para o destino escolhido. Abaixo é apresentada uma cópia de um dos documentos mais raros encontrados. Trata-se o atestado médico de Joseph Thomae e família, emitido em 25 de março de 1930, no campo de refugiados de Mölln.

Figura 10 - Certificado médico de Joseph Thomae e família emitido em Mölln, Alemanha

Em 16 de janeiro de 1930 saiu o primeiro navio com refugiados do campo de Mölln. Foram 179 pessoas à bordo do Navio Monte Oliva com destino ao Brasil. Dos mais de 5000 refugiados que ficaram abrigados em Mölln, 2533 foram para o Brasil,  1568 para o Paraguai, 1036 para o Canadá, 6 para a Argentina, 4 para o México e 4 para os Estados Unidos. Antes do embarque, eram fornecidos alguns itens para auxiliar os teuto-russos em sua nova pátria. O Kit básico consistia em [11]:

  • Ferramental

  • Farmácia (para cada grupo de transporte)

  • 1 cobertor (por pessoa)

  • 1 par de botas de trabalho resistentes para cada um dos membro da família que trabalham

  • 2 facas de bolso (por família)

  • 1 calça de trabalho resistente com suspensório para os membros da família do sexo masculino

  • 1 toalha (por cabeça)

  • Fósforos, velas, sabonetes (por família)

  • Estoque de material para costura (por família)

  • 1 caixa de madeira com fechadura ou cesta (por família)

  • 3 Marcos de dinheiro de bolso para a viagem e 50 marcos para compras no Brasil (por família)

 

Devido a grande quantidade de refugiados, a logística adotada para transporte ao Brasil e demais destinos foi a de dividir os imigrantes em grupos que variavam de 100 a 200 pessoas. Sendo assim, a cada 2 ou 3 dias um navio zarpava dos portos de Hamburgo ou Bremem com destino às Américas. Joseph Thomae e família foram os primeiros a partir rumo ao Brasil. Em 28 de março de 1930 eles embarcaram no vapor Antonio Delfino rumo ao Brasil. A figura abaixo é cópia da passagem original utilizada por Joseph e família. Verifica-se a indicação que embarcaram em 3ª classe 2 adultos, 2 crianças de 7 à 12 anos (Franziska e Elizabeth)  1 criança de 3 à 7 anos (Antônio) e 1 criança menor de 3 anos (Emilia).

Figura 11 - Passagem de navio da família de Joseph Thomae

Em 26 de abril de 1930 foi a vez de Wilhelm e família embarcar no navio Villagarcia para cruzar o atlântico. Assim como o vapor Antonio Delfino, o Villagarcia era pertencente à empresa alemã Hamburg-Süd. Era um navio movido a vapor de 129,90 metros de comprimento por 16,90 metros de largura. Com capacidade de arqueação bruta de 7401 toneladas, possuía uma chaminé e dois mastros e uma taxa de empuxo de 11kN. A bordo tinha capacidade para 1.250 passageiros da terceira classe. Construído pelo estaleiro Flensburger Schifssbaugesellschaft, inicialmente foi batizado de Santa Maria, e pertencia à classe de “Santas” da empresa Hamburg-Süd.  Seus navios irmãos foram o Santa Lucia e Santa Elena. O lançamento ao mar ocorreu em 5 de Novembro de 1907, e em 05 de janeiro de 1908 o Santa Maria saiu para a sua viagem inaugural de Hamburgo para o La Plata em Rosario. Em 28 de setembro de 1918 o navio foi ocupado por soldados chilenos em Caleta Buena e em 1920, o Santa Maria veio a reboque para Hamburgo e foi reparado. Em 22 de abril, a Hamburg-Süd comprou de volta o navio e nomeou-o Villa Garcia. Em seguida, ele foi usado de novo em viagens para a América do Sul até que foi desmontado em 1932 em Kiel [12], [13].

Figura 12 - Navio Villagargia, fonte: http://www.schiffe-maxim.de/santa_maria.htm

No dia 01 de maio, o navio Villagarcia fez uma escala no porto de Leixões e em 02 de maio em Lisboa, ambos em Portugal, aonde embarcaram mais 17 pessoas dentre eles Brasileiros e Portugueses. Tanto o Villagarcia quanto o Antonio Delfino levaram 23 longos dias para cruzar o imenso oceano atlântico e chegar em terras cariocas.

A chegada ao Brasil

O tão esperado “terra à vista” ocorreu em 15 de abril de 1930 para Joseph e família e em 18 de maio de 1930 para Wilhelm e família. O desembarque no porto do Rio de Janeiro é um dos poucos episódios em que algum registro foi obtido da parte de Wilhelm Thomae. A partir de uma consulta feita no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro [14], foram obtidas as listas de desembarque da época. Nelas constam que Wilhelm, Magdalena, Katarina, Anna Maria, José e Elizabeth foram os passageiros de número 153 à 158, respectivamente, sendo Wilhelm identificado como Landwirt, que significa “agricultor” em alemão, e todos denominados de Staatenlos, que quer dizer “sem pátria”. Também na última coluna desta lista pode-se identificar o último lugar de domicílio da família, no caso a cidade de Mölln. Estas mesmas designações também foram atribuídas para Joseph, Emilia, Franziska, Elizabeth, Antonio e Emilia, listados das posições 29 à 34 do vapor Antônio Delfino.

 

Outras informações que constam nesta lista é o relato de que não houve nenhum nascimento e nem mortalidade a bordo dos Navios, e que todos os passageiros foram avaliados e estavam em bom estado. Para o Villagarcia o médico responsável foi o Dr. Wladimir Lindenberg e que o Capitão do Navio de bandeira alemã foi Walter Block, e para o Antonio Delfino o médico responsável foi o Dr. Heinz Mosohel e o Capitão Feliz Blauert. Abaixo segue trecho reproduzido destas listas para ambos os irmãos, as quais podem ser verificadas na íntegra nos links mais abaixo.

Figura 13 - Trechos reproduzidos das listas de passageiros dos navios Antonio Delfino e Villagarcia, que atracaram em 15/04/1930 e em 18/05/1930 no Porto do Rio de Janeiro, respectivamente. Fonte: Arquivo Nacional RJ

Um fato curioso na análise destes documentos foi a descoberta de mais duas famílias Thomae que desembarcaram junto com Joseph no navio Antonio Delfino. Josef, Anna Maria, Augusta, Josef, Elizabeth, Andreass e Felix são a primeira família, listados dos números 40 a 45a. Johannes, Margarete, Anton, Valentin e Emilia são a segunda família, listados dos números 51 a 56. O trecho da lista onde estas pessoas estão citadas é apresentado a seguir. Nele pode-se verificar alguns fatos importantes:

  1. Grafias de sobrenomes: comparando os sobrenomes das 4 famílias, percebe-se 3 grafias diferentes: Thomä, Tomme e Thome;

  2. Repetição de nomes: Na época era muito comum a batizar os filhos com os nomes dos próprios pais ou familiares. Por isso da grande quantidade de José/Joseph/Josef, Katarina, Elizabeth, Lidia, Anna Maria etc.

  3. Pela idade mencionada na lista de desembarque, considerando que os patriarcas destas 4 famílias fossem irmãos, Johannes, com 43 anos seria o mais velho, seguido de Josef (casado com Ana Maria), com 40 anos, Wilhelm com 39 anos, e Josef (casado com Emilia) com 36 anos.

 

Em um livro publicado em 1970 por Martin Fischer, titulado “Russelanddeutsche siedlungen in Santa Catarina” [22], estas 4 famílias são mencionadas como pioneiros da vila de Aguinhas. Contudo, até o momento, esta pesquisa não chegou a nenhuma informação do destino que Johannes e Josef (casado com Ana Maria) tiveram.

Figura 14 -  Trechos reproduzidos da lista de passageiros dos navios Antonio Delfino, que atracou em 15/04/1930  no Porto do Rio de Janeiro. Fonte: Arquivo Nacional RJ

Registros da vinda destes imigrantes para o Brasil também foram obtidos em um telegrama enviado pela Embaixada Brasileira em Berlin, através da Secretaria de Estado das Relações Exteriores, remetida pelo Sr Joaquim Eulalio, destinado ao Serviço de Povoamento, aos cuidados do Sr Dulphe Pinheiro Machado, datado de 14/05/1930. Nele consta o seguinte texto: “Comunica que, segundo informa a Legação do Brasil em Berlin, partiram com destino ao nosso País pelo Vapor Villagarcia, mais 221 emigrantes teuto-russos” [15]. O conteúdo deste telegrama é compatível com a lista de passageiros mencionada anteriormente, e a versão manuscrita pode ser visualizada na figura abaixo:

Figura 15 - Telegrama. Fonte [15]

Gostaria agora de citar outra fonte história e raríssima encontrada durante minha pesquisa. Trata-se de uma entrevista concedida pela Sra. Ana Maria Kasper, filha de Wilhelm Thomae, ao programa “Maravilha – Meio Século de História”, da rádio Difusora de Maravilha/SC, gravado em 04/06/2000. Nesta entrevista, Ana Maria conta os detalhes da vida na Sibéria, a fuga e recepção dos refugiados na Alemanha, a viagem e chegada ao Rio de Janeiro, e as dificuldades e percalços encontrados no início de suas novas vidas em Santa Catarina. Estes relatos são extremamente concordantes com toda a explanação feita até aqui e pode ser conferida na íntegra através do ícone abaixo:

Santa Catarina

Uma pergunta que você pode fazer é: Por quê nossos antepassados vieram parar no extremo oeste de Santa Catarina? Bem, para responder a esta questão irei proceder da mesma forma que no início deste texto, ou seja, precisamos entender uma parte da história de Santa Catarina. Enquanto Wilhelm e família estavam lidando com os problemas anteriormente relatados na Sibéria, aqui no Brasil, entre o final do século 19 e início de século 20, houveram duas importantes disputas que resultaram no que é hoje o oeste de Santa Catarina. A primeira foi a Questão de Palmas, onde Brasil e Argentina disputavam o território entre os rios Iguaçu, Chapecó e Uruguai, que correspondem hoje ao Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná, conforme indicado na Figura 9. A disputa foi encaminhada para uma corte internacional e em 5 de fevereiro de 1895, o então presidente do Estados Unidos, Stephen Grover Cleveland, deu causa ganha ao Brasil.

Figura 16 - Região de disputa da Questão de Palmas - Fonte: http://www.guiaparanasudoeste.com.br/

Não muito tempo depois, de 1912 à 1916, houve a Guerra do Contestado, quando os caboclos travaram um conflito armado contra os representantes do poder Estadual e Federal Brasileiro pela disputa de terras na divisa entre Santa Catarina e Paraná, cuja região é ilustrada na figura abaixo.

Figura 17 - Região de disputa e Guerra do Contestado - Fonte: http://santacatarina.art.br

Ambas disputas tiveram em comum a falta de regularização da posse de terras devido a ausência do poder público na região, tanto é que o município mais importante da região oeste, Chapecó, só foi fundado em 1917. Diante deste cenário, objetivando aplicar uma política de consolidação do território oeste catarinense e a confirmação das divisas com a Argentina, em 1929, o então governador do estado Adolfo Konder, faz a primeira visita oficial de um governador ao Oeste de Santa Catarina. O propósito de Konder era de se aproximar da região até então esquecida pelo tempo, conduzindo um processo civilizador através da implantação da ordem, o respeito às leis e consequentemente o fomento econômico [17].

Embora a região não possuísse quase nada de infra-estrutura, era de conhecimento do governo o grande potencial econômico da região, que contava com terras férteis, abundância de água e grande quantidade de madeira proveniente das matas de araucárias. Para viabilizar o processo de colonização da região oeste, as terras foram passadas pelo estado à companhias colonizadoras, as quais seriam responsáveis pela comercialização das terras para assentamento dos colonos, com a condição de desenvolverem a infra-estrutura da região, com a construção de estradas, igrejas e escolas, etc. As terras do oeste de Santa Catarina foram divididas dentre 13 companhias colonizadoras, sendo que a companhia que atuou na região onde a Família Thomae se estabeleceu ao longo destes anos, foi a Companhia Territorial Sul Brasil. Ela foi estabelecida em 23 de maio de 1925, através de  uma sociedade anônima sediada em Porto Alegre, que teve sob a sua administração uma gleba de 2.467.074.800 m², para serem loteados e vendidos aos colonizadores [20]. A região de atuação da Cia Sul Brasil é apresentada na Figura 11.

Figura 18 - Região de atuação da Cia Sul Brasil e indicação das áreas das demais companhias colonizadoras - Fonte [20]

O planejamento e execução do plano de colonização para a gleba da Cia Sul Brasil ficaram a cargo de Carlos Culmey, contratado em 1926 como diretor gerente. Ele nasceu na Alemanha, em 1879, onde se formou como engenheiro civil, vindo ao Brasil com 23 anos de idade [18]. A estratégia de Carlos Culmey para a colonização se baseou na divisão das terras e agrupamentos dos imigrantes de acordo com sua origem étnica, o que facilitava a organização comunitária e evitava conflitos religiosos. Essa ideia também visava racionar o investimento da Companhia, pois desta forma seria necessária a construção de apenas uma igreja e escola por comunidade [17]. 

Era consenso do governo e das companhias colonizadoras que o caboclo nativo da região não tinha condições e nem recursos para promover o desenvolvimento da economia local. Sendo assim, os primeiros colonos a virem para a região oeste foram gaúchos descendentes de alemães e italianos em sua maioria. Esses gaúchos vieram para Santa Catarina em busca de terras mais fortes e produtivas, diferentemente da situação no Rio Grande do Sul, onde o solo já estava esgotado [17]. O quadro abaixo apresenta um resumo da origem dos colonos que adquiriram terras da Cia Sul Brasil entre os anos de 1925 à 1931 [18].

Joseph Thomae

Joseph, Emilia, Franziska, Elizabeth, Antonio e Emilia (filha) se estabeleceram em meados de 1930 em uma propriedade hoje conhecida como Baixo Aguinhas, em Santa Catarina. A vista parcial da propriedade é apresentada na imagem a seguir. Nos anos seguintes, a família aumentaria com o nascimento dos filhos: Lídia, em 1932, Pedro, em 1933, João, em 11 de agosto de 1935, Rosa, em 1937, José, em 11 de novembro de 1938, Emanoel, em 7 de abril de 1942 e Clara.

Figura 19 - Propriedade que era pertencente a Joseph Thomae, onde hoje mora seu filho José Thomae

Além do trabalho no campo, Joseph trabalhou na abertura e conservação das estradas da região, prestando serviços para a Companhia Colonizadora Sul Brasil, conforme recibos de prestação de serviço apresentados a seguir:

Figura 20 - Recibo de prestação de serviços de Joseph Thomae

Outra atividade desenvolvida por Joseph foi a de carroceiro profissional, realizando transportes de mercadorias pela região de São Carlos. A seguir, a cópia de sua habilitação profissional:

Figura 21 - Carteira profissional de Joseph Thomae

Conforme a vida seguia, os filhos iam crescendo e chegando à idade adulta. Como a cultura e tradições eram muito importantes para os teuto-russos, era de preferência das famílias que os casamentos fossem realizados com pessoas do mesmo grupo étnico. Das filhas do casal Joseph e Emila, Elizabeth casou-se com Jacob Schleicher, Clara casou-se com Aloisio Hining, Rosa com Pius Schelicher, Franziska com Jacob Zeiser e Lidia com Roclos Schleicher. Dos filhos homens, João casou-se com Lore xxxxx, José com Maria Schaff, Emanoel com Erica Mumber, Antonio com Beata Amann e Pedro com Anna Maria Schlee.

Joseph faleceu com 58 anos de idade, em 26 de abril de 1952 e Emilia aos 82 anos de idade, em 15 de junho de 1984. O filho José e a nora Maria foram os que cuidaram e preservaram os documentos citados nesta pesquisa, para que pudessem ser compartilhados agora com todos os familiares. José e Maria vivem até hoje na mesma propriedade inicialmente comprada por Joseph e Emília. Nesta propriedade, José continuou exercendo o ofício de agricultor, como fora seu pai, além de trabalhar com transporte coletivo de passageiros por toda região interiorana de São Carlos. Abaixo a foto da casa onde mora o casal.

Figura 22 - Casa de José e Maria Thomae - primavera de 2016

No ano de 1978, os dois filhos de Joseph, Antonio e Emanoel, com suas respectivas famílias, decidiram deixar o Brasil e tentar a sorte em outro pais, o Paraguai. Nessa época houve um convite por parte do Presidente Paraguaio Alfredo Stroessner para que estrangeiros viessem habitar a região Leste do país que se encontrava com plena mata virgem e quase inabitada, com a intenção de tornar a região uma zona produtiva, já que as terras eram próprias para o cultivo agrícola. O baixo custo por hectare foi outro fator relevante para decisão de ir ao Paraguai.

Estas duas famílias se fixaram em colônias de terra em uma região chamada Cedroty, Distrito de Nueva Toledo, Departamento de Caaguazú, composta por imigrantes brasileiros em quase sua totalidade, vindos de Aguinhas, em sua maioria. Seus descendentes vivem nesta região até os dias atuais.

Dos demais filhos de Joseph que perpetuam o sobrenome Thomae/Thome, João permaneceu morando na localidade de Aguinhas junto com a sua esposa e tiveram 4 filhos: Dulce, Roberto, Elio e Aurea. João veio a falecer em Aguinhas em 2 de janeiro de 1973.

Já Pedro Thome e sua esposa Ana Maria, se estabeleceram na comunidade de Alto Solteiro – Saudades/SC, onde tiveram 12 filhos: Marlena Maria, Teresinha, Lucia, Darci Pedro, Irene, Valdir José, Romaldo Jacó, Ivone, Neri, Maria Ines, Cleusa e Sirlei.

Wilhelm Thomae

Wilhelm, Magdalena, Katarina, Anna Maria, José e Elizabeth se estabeleceram em meados de 1930 em uma propriedade de 1 colônia de terra, na localidade conhecida hoje como Centro Aguinhas. Com receio de não poder honrar com a divida assumida junto a Companhia Sul Brasil, Wilhelm repassou metade de sua propriedade para a família Schaf, pais de Maria, que viria a se casar com José, filho de seu irmão Joseph.

As imagens abaixo mostram uma vista geral da propriedade e o detalhe da casa da família Schaf, original da época da colonização. Hoje em dia estas duas propriedades são pertencentes à neta de Wilhelm, filha mais velha de Catarina Thomae Johnas, Rosina Schleicher, que juntamente com seus filhos Jerônimo e Sílvio, trabalham com gado de leite e aviário de frangos. Ao todo a propriedade tem 26 hectares.

Figura 23 - Vista da propriedade inicialmente pertencente a Wilhelm Thomae, onde hoje mora sua neta Rosina Scheleicher - Foto tirada em Setembro/2016

Figura 24 - Casa onde viveu a família Schaf - Centro Aguinhas

Logo no ano seguinte, no dia 11 de agosto de 1931, nascia o primeiro filho brasileiro do casal, meu avô, Pedro. Os outros filhos foram Rosa, nascida em 1 de outubro de 1933, Lidia em 10 de novembro de 1936 e Elvira em fevereiro de 1943. Uma das primeiras ações realizadas pelo grupo de teuto-russos foi a de construir uma igreja e uma gruta em homenagem a Nossa Senhora de Lourdes e a Beata Bernadete, em forma de agradecer por ter escapado do comunismo e chegado à nova terra. O local escolhido foi um morro com densa mata logo em frente a propriedade de Wilhelm. Esta grupa era mantida limpa e ornada pelas moças das famílias, conforme relato de Lidia (Thomae) Vogel, que participava deste grupo. A foto a seguir tirada no ano de 2016 mostra a gruta que recentemente teve seu acesso de escadaria restaurado.

Figura 25 - Gruta Nossa Senhora de Lourdes - Centro Aguinhas

Inicialmente Wilhelm e família trabalhavam unicamente na agricultura, porém como a família possuía apenas 2 filhos homens e as filhas mais velhas foram se casando, passando a ter que trabalhar junto com as propriedades dos maridos, o trabalho se tornava cada vez mais pesado para os que permaneceram em casa. Das filhas mais velhas, Katarina casou-se com Jerônimo Johnnas, e permaneceram morando em Aguinhas até o fim de suas vidas, em 1965 e 1984 respectivamente. Anna Maria casou-se em 1947 com Alexandre Kasper, mundando-se para Maravilha/SC em 1956, onde abriram um comércio de secos e molhados. Elizabeth casou-se com Enio Shultz se mudando para a linha volta grande em Pinhalzinho, e Rosa casou-se com Vicente Zimmer, se estabelecendo em Balneário de Pratas – São Carlos. Ainda em Aguinhas, o filho mais velho, José, casou-se com Lidia Dohnauser, porém permaneceram morando junto na casa com Wilhelm, Magdalena, Pedro, Lidia e Elvira.

Não satisfeito em continuar com o trabalho no campo, o filho mais novo de Wilhelm, Pedro Thomae, teve a iniciativa de passar algum tempo em São Carlos com o objetivo de aprender o ofício de ferreiro. Quando retornou para Aguinhas, juntamente com seu pai Wilhelm e seu irmão José, montaram sua própria ferraria para atender à demanda dos agricultores da comunidade. O local onde o galpão foi construído foi do outro lado da estrada, próximo à casa onde moraram. Hoje a construção não existe mais, mas a foto abaixo coresponde ao terreno onde o galpão estava construído.

Figura 26 - Região onde ficava a Ferraria de Pedro Thomae, em Centro Aguinhas

Contudo, a vida na comunidade de Aguinhas não era nada fácil. A falta de estrutura, frustrações com as promessas não cumpridas pela Cia Sul Brasil, a dificuldade em comercializar a produção agrícola e o movimento dos negócios com a ferraria, fez com que em 1953, ele se mudassem para Saudades. Wilhelm trocou sua propriedade com um terreno à beira do rio Saudades, pertencentes aos Schnoremberger. Lá montaram novamente a ferraria e permaneceram morando juntos. O negócio teria sido bom para ambas as partes, pois Luisa Schnoremberger, que era professora, iria lecionar em Aguinhas, próximo à propriedade de Wilhelm, e Lidia (Thomae) Vogel estava lecionando na comunidade de Linha Volta Grande, hoje pertencente a Pinhalzinho/SC, sendo transferida para Saudades pouco tempo depois.  A seguir é apresentada foto da primeira escola de Saudades/SC onde Lidia (Thomae) Vogel lecionou.

Figura 27 - Primeira escola de Saudades/SC - Arquivo de Lidia Vogel

Figura 28 - Foto e mapa da localização do terreno comprado por Wilhelm Thomae em Saudades/SC

No entanto, o local da nova morada seria palco de uma tragédia. Logo no primeiro ano morando na cidade, durante um momento de diversão no rio Saudades, no quintal de casa, a caçula Elvira viria se afogar e falecer, em dezembro de 1954.

Vale aqui destacar que até a década de 50, estes lugares onde hoje moravam a maioria dos descendentes da família Thomae, eram apenas distritos ou povoados, pertencentes a algum município maior. São Carlos foi distrito de Chapecó até 1953, quando passou a ser denominado município. Já Saudades até 1950 era considerado distrito de Chapecó, em 1954 passou a ser distrito de São Carlos, e em 1961 foi emancipado. Até 1956, Pinhalzinho era apenas um povoado pertencente ao distrito de Saudades, ano este em que foi desmembrado, passando a ser distrito pertencente a São Carlos, finalmente se emancipando em 1961. Modelo começou a ser colonizado em 1949, passando a categoria de distrito de São Carlos em 1957, se emancipando oficialmente em 1961. Diferentemente dos anteriores, Maravilha era distrito pertencente à Palmitos, passando a ser município em 1958. Todas as informações anteriores foram obtidas no banco de dados do IBGE [21].

Em 25 de junho de 1957, Pedro Thomae casou-se com Terezinha Neli Schuh e em janeiro de 1958 mudaram-se para o então distrito de Pinhalzinho, adquirindo inicialmente a propriedade em frente à praça central, onde construíram um galpão que era compartilhado com a ferraria na parte da frente, e como moradia na parte de trás. Logo após, em 31 de março de 1958, nascia seu primeiro filho, Ércio Luiz Thomae, seguido de Dirce Lurdes Thomae (22/09/1959), Dércio Francisco Thomae (19/02/1961), Dirceu José Thomae (20/03/1962) e Délcio Antônio Thomae (07/01/1964). A foto abaixo, do ano de 1971, mostra o local onde era sediada a ferraria, na Avenida São Paulo, onde já havia sido construída a torre da Telesc (Prédio em frente ao Jeep estacionado).

Figura 29 - Avenida São Paulo - Praça Central de Pinhalzinho. Fonte: Prefeitura de Pinhalzinho

Em 1968, o casal negociou este terreno com outro localizado entre a Avenida Manaus e a Rua São Salvador, com uma área de 5000m², onde passaram a residir. Em 11 de agosto de 1968 nasceria o caçula da família, Walmir Pedro Thomae. Já a ferraria foi transferida para outro terreno, no cruzamento com a Avenida Brasília com a Avenida Manaus, onde existe até hoje o galpão, apresentado na foto abaixo:

Figura 30 - Ultimo local de funcionamento da ferraria de Pedro Thomae

Enquanto isso em Saudades, os irmãos José e Lidia continuaram morando em casa e cuidando dos seus pais, Lidia lecionando na escola e José trabalhando na ferraria. Em 1960, Lidia casou-se com Irineo Vogel, indo morar em Modelo, onde tinham comércio de secos e molhados, e Irineo exerceu os cargos de vereador e prefeito da cidade.

Em 7 de Junho de 1964 Magdalena Thomae faleceu, e dois anos após, em 31 de Julho de 1966, Wilhelm Thomae. Neste momento o casal José e Lydia eram os únicos que permaneciam em Saudades, juntamente com seus filhos Ivo, Ito, Milton, Nilson e os gêmeos Darci e Tarcisio. Em 19 de agosto de 1975 José veio a óbito, com apenas 49 anos de idade. Logo após o ocorrido, os filhos de José decidiram vender a propriedade em Saudades e se mudar para Nova Xavantina, no estado do Mato Grosso, onde trabalham no ramo da tornearia mecânica, possuindo empresa própria na cidade.

Voltando a Pinhalzinho, no final da década de 70, Pedro Thomae e família construíram uma nova casa, acima da que estavam morando, local onde vive sua esposa Terezinha Neli Thomae até os dias de hoje. A área de 5000m² foi loteada e 3 dos 5 filhos moram perto desta propriedade.

Figura 31 - Casa de Pedro e Terezinha Neli Thomae

Em 13 de outubro de 1985, mais uma tragédia viria assolar a família, com apenas 27 anos de idade, o filho mais velho de Pedro e Terezinha Neli, Ércio Luiz, veio a falecer afogado no rio Uruguai em São Carlos, após poucos meses de casado. Ércio, assim como seu avô e pai, também tinha o extinto de pioneiro, porém sua área foi outra, a de comunicação. Autodidata, foi responsável pela instalação de várias estações de transmissão para rádios da região oeste de Santa Catarina, dentre elas as de São Carlos e Pinhalzinho, esta última onde trabalhou também como sonoplasta.

Figura 32 - Ércio Thomae à esquerda, em transmissão pela Rádio Centro Oeste de Pinhalzinho/SC

Dos filhos homens de Pedro: Dércio, Dirceu e Délcio seguiram o ramo da metalurgia, já Walmir trabalhou no ramo de seguros. A única filha do casal, Dirce Lurdes Thomae, se formou em Contabilidade indo morar em Água Boa/MT, na década de 80, onde permanece até hoje.

Pedro Thomae foi um pioneiro em vários sentidos, além de ser reconhecido pelo seu trabalho na arte de trabalhar o ferro, foi um dos fundadores do hospital de Pinhalzinho, bem como do clube Grêmio recreativo Pinhalense. Em 26 de dezembro de 1990, veio a falecer devido à complicações respiratórias, aos seus 60 anos, dos quais 22 passou lutando contra uma bactéria que se instalou em seus pulmões.

Em 2005, foi homenageado com o batismo de uma rua no Bairro Jardim Maria Terezinha, de Pinhalzinho/SC, com o seu nome, através da Lei Ordinária número 1765 de 23/12/2005.

Figura 33 – Rua Pedro Thomae - Pinhalzinho/SC

Em 2015, foi homenageado pela Associação Comercial e Industrial de Pinhalzinho – ACIP, como empresário pioneiro da cidade. Para assistir ao vídeo

O reconhecimento de Pedro como referência de ferreiro também foi homenagedo com o batismo da cervejaria fundada por Délcio Thomae e familia em 2012 com o nome de Schmied, palavra alemã que significa ferreiro.

Figura 34 –Rótulo cervejaria Schmied

Considerações Finais

Gostaria de agradecer a todos aqueles que compartilharam suas experiências, memórias, cederam documentos, fotos, registros e tempo para contribuir com esta pesquisa. Este trabalho está longe de estar concluído e conto com a contribuição de todos que possam fornecer algo para acrescentar, de tal forma que as palavras aqui arquivadas possa refletir o mais próximo possível da realidade que nossos bravos antepassados passaram para que pudéssemos estar aqui hoje.

 

Obrigado,

Samuel Thomae

Entrevista - Ana Maria Kasper
00:00 / 00:00

Lista passageiros Villagarcia

Lista passageiros Antonio Delfino

  • White Facebook Icon
  • White Instagram Icon
  • White Pinterest Icon
  • White Twitter Icon

© 2016 - 2017 por Samuel Thomae

bottom of page